DIA DIOCESANO DA JUVENTUDE
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA A XXX JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
PARA A XXX JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
«Felizes os puros de coração, porque
verão a Deus» (Mt 5, 8)
Queridos jovens!
Continuamos a nossa peregrinação espiritual para
Cracóvia, onde em Julho de 2016 se realizará a próxima edição internacional da
Jornada Mundial da Juventude. Como guia do nosso caminho escolhemos as
Bem-aventuranças evangélicas. No ano passado, reflectimos sobre a
Bem-aventurança dos pobres em espírito, inserida no contexto mais amplo do
«Sermão da Montanha». Juntos, descobrimos o significado revolucionário das
Bem-aventuranças e o forte apelo de Jesus para nos lançarmos, com coragem, na
aventura da busca da felicidade. Este ano reflectiremos sobre a sexta
Bem-aventurança: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5,
8).
1. O desejo da felicidade
A palavra «felizes», ou bem-aventurados,
aparece nove vezes na primeira grande pregação de Jesus (cf. Mt 5,
1-12). É como um refrão que nos recorda a chamada do Senhor a percorrer,
juntamente com Ele, uma estrada que, apesar de todos os desafios, é a via da
verdadeira felicidade.
Ora a busca da felicidade, queridos jovens, é comum
a todas as pessoas de todos os tempos e de todas as idades. Deus colocou no
coração de cada homem e de cada mulher um desejo irreprimível de felicidade, de
plenitude. Porventura não sentis que o vosso coração está inquieto buscando sem
cessar um bem que possa saciar a sua sede de infinito?
Os primeiros capítulos do livro do Génesis
apresentam-nos a felicidade maravilhosa a que somos chamados, consistindo numa
perfeita comunhão com Deus, com os outros, com a natureza, com nós mesmos. O
livre acesso a Deus, à sua intimidade e visão estava presente no projecto de
Deus para a humanidade desde as suas origens e fazia com que a luz divina
permeasse de verdade e transparência todas as relações humanas. Neste estado de
pureza original, não existiam «máscaras», subterfúgios, motivos para se
esconderem uns dos outros. Tudo era puro e claro.
Quando o homem e a mulher cedem à tentação e
quebram a relação de confiante comunhão com Deus, o pecado entra na história
humana (cf. Gn 3). Imediatamente se fazem notar as
consequências inclusive nas suas relações consigo mesmo, de um com o outro, e
com a natureza. E são dramáticas! A pureza das origens como que fica poluída.
Depois daquele momento, já não é possível o acesso directo à presença de Deus.
Comparece a tendência a esconder-se, o homem e a mulher devem cobrir a sua
nudez. Privados da luz que provém da visão do Senhor, olham a realidade que os
circunda de maneira distorcida, míope. A «bússola» interior, que os guiava na
busca da felicidade, perde o seu ponto de referência e as seduções do poder e
do ter e a ânsia do prazer a todo o custo precipitam-nos no abismo da tristeza
e da angústia.
Nos Salmos, encontramos o grito que a humanidade,
desde as profundezas da sua alma, dirige a Deus: «Quem nos dará a felicidade?
Resplandeça sobre nós, Senhor, a luz do vosso rosto!» (Sal 4, 7).
Na sua infinita bondade, o Pai responde a esta súplica com o envio do seu
Filho. Em Jesus, Deus assume um rosto humano. Com a sua encarnação, vida, morte
e ressurreição, redime-nos do pecado e abre-nos horizontes novos, até então
inconcebíveis.
E assim, queridos jovens, em Cristo encontra-se a
plena realização dos vossos sonhos de bondade e felicidade. Só Ele pode
satisfazer as vossas expectativas tantas vezes desiludidas por falsas promessas
mundanas. Como disse São João Paulo II,
«Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem vos provoca com aquela sede de
radicalidade que não vos deixa ceder a compromissos; é Ele quem vos impele a
depor as máscaras que tornam a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as
decisões mais verdadeiras que outros quereriam sufocar. É Jesus quem suscita em
vós o desejo de fazer da vossa vida algo grande» (Vigília
de Oração em Tor Vergata, 19 de Agosto de 2000: L’Osservatore
Romano, ed. portuguesa de 26/VIII/2000, 383).
2. Felizes os puros de coração…
Procuremos agora aprofundar como esta felicidade
passa pela pureza de coração. Antes de mais nada, devemos compreender o
significado bíblico da palavra «coração». Na cultura hebraica, o coração
é o centro dos sentimentos, pensamentos e intenções da pessoa humana. Se a
Bíblia nos ensina que Deus olha, não às aparências, mas ao coração (cf. 1
Sam 16,7), podemos igualmente afirmar que é a partir do nosso coração
que podemos ver a Deus. Assim é, porque o coração compendia o ser humano na sua
totalidade e unidade de corpo e alma, na sua capacidade de amar e ser amado.
Passando agora à definição de «puro», a
palavra grega usada pelo evangelista Mateus é katharos e
significa, fundamentalmente,limpo, claro, livre de substâncias
contaminadoras. No Evangelho, vemos Jesus desarraigar uma certa concepção
da pureza ritual ligada a elementos externos, que proibia todo o contacto com
coisas e pessoas (incluindo os leprosos e os forasteiros), consideradas
impuras. Aos fariseus – que, como muitos judeus de então, não comiam sem antes
ter feito as devidas abluções e observavam numerosas tradições relacionadas com
a lavagem de objectos –, Jesus diz categoricamente: «Nada há fora do homem que,
entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o
torna impuro. (…) Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus
pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições,
perversidade, má-fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios» (Mc 7,
15.21-22).
Sendo assim, em que consiste a felicidade que brota
dum coração puro? Partindo do elenco dos males enumerados por Jesus, que tornam
o homem impuro, vemos que a questão tem a ver sobretudo com o campo das nossas relações.
Cada um de nós deve aprender a discernir aquilo que pode «contaminar» o seu
coração, formando em si mesmo uma consciência recta e sensível, capaz de
«discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável, o que
é perfeito» (Rm 12, 2). Se é necessária uma atenção salutar para
com a salvaguarda da criação, a pureza do ar, da água e dos alimentos, com
maior razão ainda devemos salvaguardar a pureza daquilo que temos de mais
precioso: os nossos corações e as nossas relações. Esta «ecologia
humana» ajudar-nos-á a respirar o ar puro que provém das coisas belas, do amor
verdadeiro, da santidade.
Uma vez fiz-vos a pergunta: Onde está o vosso
tesouro? Qual é o tesouro onde repousa o vosso coração? (cf. Entrevista
com alguns jovens da Bélgica, 31 de Março de 2014). É verdade! Os
nossos corações podem apegar-se a tesouros verdadeiros ou falsos, podem
encontrar um repouso autêntico ou então adormentar-se tornando-se preguiçosos e
entorpecidos. O bem mais precioso que podemos ter na vida é a nossa relação com
Deus. Estais convencidos disto? Estais cientes do valor inestimável que tendes
aos olhos de Deus? Sabeis que Ele vos ama e acolhe, incondicionalmente, assim
como sois? Quando esta percepção esmorece, o ser humano torna-se um enigma
incompreensível, pois o que dá sentido à nossa vida é precisamente saber que
somos amados incondicionalmente por Deus. Lembrais-vos do diálogo de Jesus com
o jovem rico? (cf. Mc 10, 17-22). O evangelista Marcos observa
que o Senhor fixou o olhar nele e amou-o (cf. v. 21), convidando-o depois a
segui-Lo para encontrar o verdadeiro tesouro. Espero, queridos jovens, que este
olhar de Cristo, cheio de amor, vos acompanhe durante toda a vossa vida.
O período da juventude é aquele em que desabrocha a
grande riqueza afectiva contida nos vossos corações, o desejo profundo dum amor
verdadeiro, belo e grande. Quanta força há nesta capacidade de amar e ser
amados! Não permitais que este valor precioso seja falsificado, destruído ou
deturpado. Isto acontece quando, nas nossas relações, comparece a manipulação
do próximo para os nossos objectivos egoístas, por vezes como mero objecto de
prazer. O coração fica ferido e triste depois destas experiências negativas.
Peço-vos que não tenhais medo dum amor verdadeiro, aquele que nos ensina Jesus
e que São Paulo descreve assim: «O amor é paciente, o amor é prestável, não é
invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura
o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra
com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta. O amor jamais passará» (1 Cor 13, 4-8).
Ao mesmo tempo que vos convido a descobrir a beleza
da vocação humana para o amor, exorto-vos a rebelar-vos contra a tendência
generalizada de banalizar o amor, sobretudo quando se procura reduzi-lo apenas
ao aspecto sexual, desvinculando-o assim das suas características essenciais de
beleza, comunhão, fidelidade e responsabilidade. Queridos jovens,
«na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é
“curtir” o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer
escolhas definitivas, “para sempre”, uma vez que não se sabe o que reserva o
amanhã. Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, eu peço que
vocês vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem
contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes
de assumir responsabilidades, crê que vocês não são capazes de amar de verdade.
Eu tenho confiança em vocês, jovens, e rezo por vocês. Tenham a coragem de “ir
contra a corrente”. E tenham também a coragem de ser felizes!» (Encontro
com os voluntários da JMJ do Rio, 28 de Julho de 2013).
Vós, jovens, sois bons exploradores! Se vos
lançardes à descoberta do rico ensinamento da Igreja neste campo, descobrireis
que o cristianismo não consiste numa série de proibições que sufocam os nossos
desejos de felicidade, mas num projecto de vida que pode fascinar os nossos
corações!
3. ...porque verão a Deus
No coração de cada homem e de cada mulher, ressoa
sem cessar o convite do Senhor: «Procurai o meu rosto!» (Sal 27/26,
8). Ao mesmo tempo, porém, sempre nos devemos confrontar com a nossa pobre
condição de pecadores. Assim o lemos, por exemplo, no livro dos Salmos: «Quem
poderá subir à montanha do Senhor e apresentar-se no seu santuário? O que tem
as mãos inocentes e o coração limpo» (Sal 24/23, 3-4). Mas não
devemos ter medo nem desanimar: vemos, na Bíblia e na história de cada um de
nós, que é sempre Deus quem dá o primeiro passo. É Ele que nos purifica, para
podermos ser admitidos à sua presença.
O profeta Isaías, quando recebeu a chamada do
Senhor para falar em seu nome, ficou apavorado e disse: «Ai de mim, estou
perdido, porque sou um homem de lábios impuros» (Is 6, 5). Mas o
Senhor purificou-o, enviando um anjo que tocou a sua boca e lhe disse: «Foi
afastada a tua culpa e apagado o teu pecado» (v. 7). No Novo Testamento, quando
Jesus chamou os seus primeiros discípulos e realizou o prodígio da pesca
miraculosa no lago de Genesaré, Simão Pedro caiu aos seus pés dizendo:
«Afasta-Te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (Lc 5, 8).
A resposta não se fez esperar: «Não tenhas receio; de futuro serás pescador de
homens» (v. 10). E, quando um dos discípulos de Jesus Lhe pediu: «Senhor,
mostra-nos o Pai, e isso nos basta», o Mestre repondeu: «Quem Me vê, vê o Pai»
(Jo 14, 8.9).
Por isso, o convite do Senhor a encontrá-Lo é
dirigido a cada um de vós, independentemente do lugar e situação em que vos
encontrardes. Basta «tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O
procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este
convite não lhe diz respeito» (Exort. ap. Evangelii
gaudium, 3). Todos somos pecadores, necessitados de ser purificados
pelo Senhor. Mas basta dar um pequeno passo em direcção a Jesus para descobrir
que Ele está sempre à nossa espera de braços abertos, especialmente no
sacramento da Reconciliação, ocasião privilegiada de encontro com a
misericórdia divina que purifica e recria os nossos corações.
Sim, queridos jovens, o Senhor quer encontrar-nos,
deixar-Se «ver» por nós. «E como?»: poder-me-íeis perguntar. Também Santa
Teresa de Ávila, nascida na Espanha precisamente há quinhentos anos, já de
pequenina dizia aos seus pais: «Quero ver a Deus». Depois descobriu o caminho
da oração como «uma relação íntima de amizade com Aquele por
quem nos sentimos amados» (Livro da Vida 8, 5). Por isso, pergunto-vos:
Vós rezais? Sabeis que tendes possibilidade de falar com Jesus, com o Pai, com
o Espírito Santo, como se fala com um amigo? E não um amigo qualquer, mas o
vosso amigo melhor e de maior confiança! Tentai fazê-lo, com simplicidade.
Descobrireis aquilo que um camponês d’Ars dizia ao santo cura do seu país:
quando estou em oração diante do Sacrário, «eu olho para Ele e Ele olha para
mim» (Catecismo
da Igreja Católica, 2715).
Uma vez mais convido-vos a encontrar o Senhor, lendo
frequentemente a Sagrada Escritura. E, se não tiverdes ainda o hábito de o
fazer, começai pelos Evangelhos. Lede um pedaço cada dia. Deixai que a Palavra
de Deus fale aos vossos corações, ilumine os vossos passos (cf. Sal 119/118,
105). Descobrireis que se pode «ver» a Deus também no rosto dos irmãos,
especialmente os mais esquecidos: os pobres, os famintos, os sedentos, os
forasteiros, os doentes, os presos (cf. Mt 25, 31-46). Já alguma
vez tivestes a experiência disto? Queridos jovens, para entrar na lógica do
Reino de Deus, é preciso reconhecer-se pobre com os pobres. Um coração puro é
necessariamente também um coração despojado, que sabe abaixar-se e partilhar a
sua vida com os mais necessitados.
O encontro com Deus na oração, através da leitura
da Bíblia e na vida fraterna ajudar-vos-á a conhecer melhor o Senhor e a vós
mesmos. Como aconteceu com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,
13-35), a voz de Jesus inflamará os vossos corações e abrir-se-ão os vossos
olhos para reconhecer a sua presença na vossa história, descobrindo assim o
projecto de amor que Ele tem para a vossa vida.
Alguns de vós sentem ou hão-de sentir a chamada do
Senhor para o matrimónio, para formar uma família. Hoje, muitos pensam que esta
vocação esteja «fora de moda», mas não é verdade! Precisamente por este motivo,
a Comunidade eclesial inteira está a viver um período especial de reflexão
sobre a vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. Além
disso, convido-vos a tomar em consideração a chamada à vida consagrada ou ao
sacerdócio. Como é belo ver jovens que abraçam a vocação de se darem plenamente
a Cristo e ao serviço da sua Igreja! Ponde-vos a pergunta a vós mesmos com
ânimo puro e não tenhais medo daquilo que Deus vos pede! A partir do vosso
«sim» à chamada do Senhor, tornar-vos-eis novas sementes de esperança na Igreja
e na sociedade. Não esqueçais: a vontade de Deus é a nossa felicidade!
4. Em caminho para Cracóvia
«Felizes os puros de coração, porque verão a
Deus» (Mt 5, 8). Queridos jovens, como vedes, esta
Bem-aventurança está intimamente relacionada com a vossa vida e é uma garantia
da vossa felicidade. Por isso, repito-vos mais uma vez: tende a coragem de ser
felizes!
A Jornada Mundial da Juventude deste ano conduz à
última etapa do caminho de preparação para o próximo grande encontro mundial
dos jovens em Cracóvia, no ano de 2016. Precisamente há trinta anos, São João Paulo II instituiu,
na Igreja, as Jornadas Mundiais da Juventude. Esta peregrinação juvenil através
de todos os Continentes, sob a guia do Sucessor de Pedro, foi verdadeiramente
uma iniciativa providencial e profética. Juntos, damos graças ao Senhor pelos
preciosos frutos que a mesma produziu na vida de tantos jovens por toda terra.
Quantas descobertas importantes, sobretudo as de Cristo, Caminho, Verdade e
Vida, e da Igreja como uma família grande e acolhedora! Quantas mudanças de
vida, quantas decisões vocacionais brotaram daqueles encontros! O Santo
Pontífice, Padroeiro das JMJ, interceda pela nossa peregrinação rumo à sua
Cracóvia. E o olhar materno da Bem-aventurada Virgem Maria, a cheia de graça, toda
bela e toda pura, nos acompanhe neste caminho.
Vaticano, 31 de Janeiro – Memória de São João Bosco – do ano 2015.
FRANCISCUS